2024 é o ano da Chicha Contemporânea by Diego Simão Rzatki
2024 é o ano da Lager Chicha Contemporânea by Diego Simão Rzatki
O cervejeiro brasileiro é ambicioso, caseiro ou profissional, sempre deseja fazer a melhor cerveja possível e existe o desejo coletivo por uma Escola Brasileira de cerveja. E isso é uma qualidade incrível, é algo que motiva e anima muita gente neste hobby/trabalho no qual participamos em conjunto.
Para chegar neste sonho coletivo, não se sabe muito bem o caminho a se percorrer, mas é óbvio que não chegaremos nele fazendo as mesmas cervejas que são feitas lá fora. É necessário inovação, originalidade, qualidade e identidade bem definida.
Nesta visão diferentes projetos surgiram, sendo o primeiro e mais conhecido, a Catharina Sour, o qual inclusive virou o primeiro estilo brasileiro aceito no BJCP. Mais recentemente, iniciativas profissionais como a Manipueira Selvagem e caseiras como a BR Ale vem instigando cervejeiros a experimentar e criar. E agora, chegou a vez da Chicha Contemporânea.
Se trata de uma releitura contemporânea da Chicha Tradicional, uma cerveja espontânea sul-americana feita a base de malte de milho. Cerveja que ainda é hoje faz parte do dia a dia de inúmeras pessoas na América do Sul.
Essa tradição sul-americana incentivou a uma reinterpretação da bebida por cervejeiros, primeiramente dos países onde essa cerveja resiste. Bolívia, Colômbia e principalmente Peru, possuem movimentos cervejeiros para o retorno do malte de milho as cervejarias, e consequentemente, produção de reinterpretações desta cerveja milenar.
A cerveja tradicional é produzida de forma rústica e é espontânea. O processo começa com o próprio malteamento do cereal, geralmente feito pelo produtor. Após pronto segue para moagem, uma mostura rústica e fermenta em temperatura ambiente com microrganismos espontâneos do local de produção. Não, não é comum mastigar para quebra dos açucares, atualmente é muito mais comum o uso de malte de milho do que a insalivação. O resultado é uma cerveja ácida, com muito açúcar residual para balancear a acidez láctica presente.
As versões contemporâneas levam em conta o conhecimento cervejeiro, uso de insumos estranhos a produção tradicional, como o lúpulo e outros maltes, como o de trigo, para suprir a falta de enzimas que o milho tem e chegar uma cerveja com melhor rendimento e corpo mais seco.
Existem diferentes releituras. No Peru, a Victória adota uma mostura bem simples, fermentação primária com levedura neutra e posterior fermentação com microrganismos selvagens em fermentadores plásticos sem controle de fermentação. No Brasil, a primeira produção na Trilha Cervejaria seguiu quase o mesmo rito, somente fazendo a segunda fermentação em barril de madeira.
Na produção da colaborativa da Cozalinda/Kairós aqui em Floripa, procuramos fazer algo ainda mais simples, uma kettle sour. Usamos 51% de malte de milho Fortuna da Maltes Catarinenses, 39% de malte de trigo (pelas enzimas) e 5% de trigo flocado e aveia flocada. Lúpulos catarinenses e levedura Y53 da Levtek (não saccaromyces e nem neutra) que é nativa de Florianópolis.
As rampas foram: 38C – 10min, 62C – 20min, 70C – 90min e 77C – 5min. Fervura de 90 min após a acidificação. O uso de lúpulo ocorre somente na fervura, para amargor somente, e chegando apenas a 4 IBU. O grão é de difícil moagem em escala industrial, a filtragem é mais lenta, e fica uma cerveja extremamente turva e merece algum cuidado nesse sentido. Porém, o trabalho recompensa.
A cerveja tem uma drinkabilidade espetacular. É altamente frutada e vai muito bem com ou sem frutas. Apesar da grande quantidade de malte de trigo, a sensação de boca é baixa, mas possui uma cremosidade que equilibra. A percepção de acidez é mais baixa do que se comparada a uma Catharina Sour e o malte de milho se faz presente, uma identidade sensorial única.
Por ser uma ketle sour o processo de produção não passou de 15 dias, mesmo com a aplicação de frutas. Processo rápido e simples que entrega uma excelente cerveja para esse verão que promete ser infernal.
E viva a Chicha e a cultura sul-americana! Temos milhares de milhos para experimentar como malte e uma infinidade de cervejas para inventar. Que 2024 seja o ano da Chicha
Diego Simão Rzatki
COZALINDA